Índico
- Linda Queiroz

- 27 de dez. de 2024
- 2 min de leitura
Por algum capricho do destino, estavam ali.
Ao conhecido som das portas do elevador se abrindo, ela esperou para entrar. Dentro, apenas um ocupante. Ele, assim como ela, lia algo na tela do celular quando o som os chamou à realidade.
Levantaram a cabeça num sincronismo perfeito e, tomados pela surpresa, dois pares de olhos se encontraram.
Ela entrou. Dois passos curtos os separavam. O que deveriam fazer? Sorrir? Cumprimentar? Qual era o protocolo?
Ela achou melhor não.
Ele achou melhor sim. Sorrir. Ele não se importava com o que viria disso. O silêncio era um peso que ele precisava quebrar. Ser, fazer, dizer.
Mas não disse.
Naquele silêncio, conversas intermináveis eram feitas apenas com os olhos.
E com a respiração.
Ele podia ver como ela respirava: cada vez mais rápido, quase ofegante. Podia ver o rubor subir de seu colo para as maçãs do rosto. Podia enxergar sua jugular pulsando. Podia sentir sua temperatura aumentando, grau a grau.
Tangerina e gengibre misturados ao cheiro de sua pele chegavam até ele.
Seus cabelos, selvagens e delicados, caíam pelos ombros. Ele registrava tudo, como quem fotografa um instante que não se repete.
…
Ela o observava com a mesma intensidade, mas seus pensamentos eram outros. “Por que ele?”, perguntava-se.
Pernas longas e finas. Braços longos e fortes. Alvos. Como suas mãos.
Seus cabelos negros contrastavam absurdamente com sua pele. Gostava disso. Seu nariz, porém, era maior do que o normal, e as narinas evidentes. Dentes proeminentes, caninos grandes e afiados, que deixavam marcas.
Os olhos, acima de olheiras acinzentadas, eram coloridos e profundos como o Índico.
E o cheiro de cravo impregnado na barba espessa trouxe memórias.
Ela lembrou do som de sua respiração pela manhã. De como gostava de sentir seu hálito logo ao acordar.
Ele lembrou de como a acordava.
...
Naqueles escassos minutos, entre o terceiro e o nono andar, o tempo se distorceu.
E os minutos viraram horas.
As bocas, mudas.
Os olhos, que não se desgrudaram nem por um instante, disseram tudo.



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